Mudanças climáticas na Europa em 2050?

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Pequena reflexão sobre as causas e os impactos das mudanças climáticas e o insucesso das políticas ambientais na Europa, sob a óptica de uma refugiada ambiental em 2050 (*).

Tenho 80 anos, sou luso-francesa, passei a infância e a adolescência em França, mas vivi principalmente em Portugal. Morei algum tempo em Inglaterra. Ainda estou no activo. Não assisti a nenhuma guerra mundial, mas sobrevivi a várias crises económicas e à sua consequência directa: a violência nas ruas devido a conflitos pelos recursos e pelos bens essenciais. Queria ter sido formalmente europeia mas tal nunca chegou a acontecer! E há uns anos perdi as minhas referências.

Sou uma refugiada ambiental, ou seja, devido às mudanças climáticas fui obrigada, em 2040, assim como os cinco milhões de habitantes em Portugal, a abandonar o país, já então convertido num deserto, e tive de emigrar para o Norte da Europa.

As mudanças climáticas foram e são um problema transgeracional que o mundo ainda hoje enfrenta!

 

As causas e os impactos das mudanças climáticas

Já era cientificamente reconhecido no início do século que a origem das mudanças climáticas, então já notórias, era essencialmente antrópica (causada pelo Homem).

No entanto sempre existiram cépticos e relembro que vários cientistas puseram em causa o facto de o Homem estar na origem do problema. Chegaram mesmo a afirmar que se tratava de uma fraude, e que a situação era pontual e controlável…

Embora a causa das mudanças climáticas fosse a globalização do modelo de desenvolvimento ocidental, nem todos os países contribuíram de forma igual. No entanto, as pessoas tinham de ter casas, carros, electrodomésticos, televisões, computadores, telemóveis e afins, etc… E comer. E já agora todos tínhamos de parecer iguais… Vestirmos a mesma roupa e comermos os mesmos alimentos manufacturados! Não era só o fim da diversidade ecológica, era também o fim da diversidade cultural!

Ao reflectir sobre a globalização e o fim da diversidade cultural, relembro um livro que li quando era adolescente. Trata-se de “1984” de George Orwell, escrito nos anos 60 do século passado. Para além da famosa frase “Big Brother is watching you”, o partido instituído tinha três princípios: “war is peace”, “freedom is slavery” e “ignorance is strength”… Para reflectir…

Retomando as mudanças climáticas…

Para produzir tantos bens de consumo e para os manter continuou-se, durante muitos anos, a enviar para a atmosfera CO2 em grandes quantidades, fazendo com que as concentrações de dióxido de carbono ultrapassassem as 450 partes por milhão antes de 2020, e cerca de 700 partes por milhão em 2040.
Isto significa que se alterou significativamente o ciclo do carbono, não só pela combustão de energia fóssil, como também pela desflorestação e os oceanos acidificaram.

Embora não tivesse acontecido na Europa, mas sendo um dos pulmões do Mundo, o que me foi mais penoso foi ver a Amazónia, no Brasil, ser trucidada! Ano após ano, mais de 6000 quilómetros quadrados destruídos. E este número aumentou devido a ter sido aprovado na segunda década deste século um código florestal que favoreceu os agricultores. Ou seja, a área protegida diminuiu consideravelmente. Fomos incapazes de mostrar que a Amazónia era, mesmo do ponto vista económico, bem mais valiosa preservada. Não existiram estímulos económicos para a preservar, mas sim para a destruir!

Ao mexer perigosamente no equilíbrio da Terra, destruindo flora e fauna, acidificando os oceanos, alguma coisa teve de se ajustar. Foi o sistema ecológico ou ecossistema que primeiro reagiu, afectando o sistema social – indivíduos em interacção e que compartilham normas e significados – que por sua vez fez influenciou o sistema económico e fez com que este mudasse. Não foi uma transformação civilizacional, apenas foram dados uns retoques na forma de produzir e nos meios e recursos utilizados.

É por essa razão que hoje enfrentamos problemas ainda mais graves com as mudanças climáticas. Nas últimas décadas, a temperatura subiu cerca de 3ºC (houve variações regionais), acima dos 2ºC que eram considerados dentro dos limites toleráveis, mas ainda longe dos piores cenários do Relatório Stern.

Os países nórdicos, tal como a Dinamarca, onde vivo actualmente, passaram a ter um clima mais ameno, lembrando Portugal há décadas atrás. Com a subida da temperatura, por um lado, as vagas de frio diminuíram, reduzindo a mortalidade e o consumo de energia, aumentou a produção agrícola e o turismo. Devido a Acordos europeus sobre migração de causa ambiental, os países nórdicos tiveram de aceitar receber refugiados ambientais do sul da Europa. Isso fez com que houvesse novas transformações sociais nos países receptores, criando-se um “melting-pot” na Europa, onde diferentes culturas e raças foram socialmente assimiladas, embora os novos imigrantes tivessem de enfrentar fenómenos de xenofobia e discriminação.

Deixaram de ter chuvas ácidas vindas dos países do leste europeu, dado que entretanto foram usadas novas tecnologias que reduziram a emissão de enxofre e azoto reactivo para a atmosfera. Uma delas foi inventada no início deste século, mas como o custo era elevado levou algum tempo a ser implementada. Tratou-se de uma máquina que sugava os gases com efeito de estufa, os famosos GEE. Agora há milhares por esta Europa fora!

No entanto, os países mediterrânicos, como Portugal, Espanha, Itália e Grécia, viram a temperatura subir 3,5ºC.

E as consequências negativas foram muitas, desde a diminuição da pluviosidade em 40%, até ao aumento da mortalidade, principalmente a população idosa com idade superior aos 75 anos, considerada a mais vulnerável, mas também a mais numerosa. A seca extrema fez sentir-se por todos estes territórios. Por conseguinte, os incêndios deflagraram em maior número e com mais rapidez, os solos deixaram de ser aráveis, houve escassez de água.

As desigualdades sociais tornaram-se ainda mais pronunciadas, tanto as locais, como as regionais. Tudo dependeu da capacidade de adaptação aos eventos extremos. A França e a Alemanha adaptaram-se relativamente bem às cheias, mas nos países do leste europeu aumentaram a mortalidade e as doenças contagiosas. Devido à subida do nível dos oceanos, a Inglaterra, a Holanda e outros países tiveram de retirar a população que vivia junto às costas.

A maioria das pessoas teve de abandonar os países mais afectados e emigrar. Deixaram de ser considerados imigrantes nos países de acolhimento e passaram a ser refugiados ambientais…

 
Políticas ambientais: insucesso consentido?

Ao longo de décadas os decisores assistiram a estes impactos na vida quotidiana dos seus concidadãos e tomaram decisões unilaterais ineficazes, apesar dos avisos dos relatórios científicos. As políticas ambientais foram, apesar de tudo, importantes para evitar um mal maior mais cedo: o colapso da Terra.

A comunidade científica produziu milhares de relatórios alertando as comunidades política e económica, “intimamente” ligadas para produzirem, entre outras coisas, leis que permitissem “minimizar” a exploração dos recursos e os estragos cometidos em nome do desenvolvimento económico, apelidado mais tarde, de “desenvolvimento sustentável”…

Não posso deixar de mencionar o Relatório Brundtland, por ter sido aquele que veio cegar os olhos dos responsáveis políticos e económico-financeiros.

As várias esferas políticas, económicas e científicas reuniram-se centenas de vezes em Conferências. Considerada a mais importante, a do Rio de Janeiro, conhecida como a “Cimeira da Terra” teve lugar no final do século XX. Foi a partir deste evento que se deu a primeira Convenção sobre Alterações Climáticas e anualmente a Conferência das Partes (CoP) passou a reunir. Ainda no século XX, a maioria das Partes assinou o Tratado de Quioto e ratificou-o! Os Estados Unidos nunca o ratificaram, tal como tinha anunciado Bush, antigo presidente dos Estados Unidos da América na primeira década do século XXI. Mas também não fiquei admirada, sempre se acharam donos do Planeta, para o continuarem a manipular e controlar.

Ao longo dos anos o Tratado de Quioto enfraqueceu e foi perdendo adeptos pelo caminho.

Falhou Durban, Doha, Santiago do Chile, Montréal, Berlim e por aí fora… Toda a gente ficou à espera do Rio+20, do Rio+40. Antes destas Conferências acontecerem foram abertos murais virtuais onde cada pessoa podia escrever uma mensagem sobre o nosso futuro comum. Recordo aqui duas das mensagens: “o futuro do planeta está em jogo” (quem ainda não percebeu isto…) e “we need to replace capitalism and get back to family, community, and connect with nature again”.

Mas porque é que os governos e os políticos em geral não trabalharam seriamente em conjunto para evitar uma catástrofe? E porque é que nós não forçámos os nossos governos a tomar decisões e a agir?

Creio que todos se preocuparam demasiado com o que queriam ter, em vez de reflectirem sobre o que queriam ser! Colocaram à frente os interesses dos seus países, os interesses pessoais e esqueceram-se deliberadamente que os recursos da Terra eram e são finitos! Hoje já não é possível “esquecer” as tragédias que vimos acontecer!

Desde os anos 60 do século XX que estavam reunidos todos os elementos necessários para perceber que era indispensável mudar… E depressa!

A comunidade científica produziu saber que teria sido útil à comunidade política para decidir. Mas esta criou leis para minorar os problemas criados pelo desenvolvimento económico, mantendo os privilégios de uns poucos, em vez de agir em favor da Humanidade!

Ou seja, devido a ser um tema complexo, e principalmente por nunca fazer parte da agenda económico-financeira (sem ser sob forma maquilhada), o tema das mudanças climáticas nunca reuniu consenso!

E com o avançar do tempo poderiam ter-se criado condições para mudar de paradigma civilizacional.

Creio que hoje estamos lá perto… Ainda em transição… A mudança partiu de cada um de nós: ganhámos consciência ecológica mudando de hábitos, de estilos de vida e de afectos. Criámos uma nova ética e deixámos de ser apáticos e de nos alienarmos dos assuntos como se não nos dissessem respeito. E juntos formámos um movimento colectivo actuante.
Mas será que ainda vamos a tempo de evitar o colapso total do Planeta?

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Fontes consultadas:

– Al Gore. 2006. «Uma Verdade Inconveniente». USA.

– Chanel 4. 2007. «A Grande Farsa do Aquecimento Global». UK. http://www.youtube.com/watch?v=o179RoA0_Qs

– Climate Change Future – Health, Ecological and Economic Dimensions. 2006. Chapter 13 – Europe. Harvard Medical School
http://climatechangefutures.org/
pdf/CCF_Report_Final_10.27.pdf

– Rio+20. 2011.  http://www.rio20.info/2012/

– Stern, N. 2006. Stern Review on the Economics of Climate Change, Part II: The Impacts of Climate Change on Growth and Development.
http://www.hm-treasury.gov.uk/
independent_reviews/
stern_review_economics_climate_change/
stern_review_report.cfm

– UNDP, 2011. “Climate Change Adaptation Development”. Fast Fact.  www.undp.org/climatechange

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(*) Este texto foi escrito originalmente em Dezembro de 2011, no âmbito da cadeira de Políticas Ambientais do Mestrado em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos da Nova-FCSH.
Foi publicado em 2018 no meu blog “O Mundo do Avesso”
https://alenverslemonde.blogspot.com/

 

Autora: Véronique Tomaz
Estes artigos são da responsabilidade de quem os escreve e embora a rúbrica seja da ÁGORA – Associação Ambiental com sede nas Caldas da Rainha, as opiniões são da responsabilidade da pessoa que as tece.
A Véronique escreve segundo o antigo acordo ortográfico.

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